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Campo

MST chega aos 40 anos alterado e com desafio de renovação

Após governos antagônicos, movimento dos sem-terra (MST) guarda relativa desilusão com PT

Movimento dos Sem-Terra (MST): 40 anos (Foto: Agência Brasil)
Movimento dos Sem-Terra (MST): 40 anos (Foto: Agência Brasil)

MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) completa 40 anos com objetivos e perspectivas diversas das que motivaram sua criação, um histórico de conflitos com fazendeiros, ruralistas e governos antagônicos, certa desilusão com o PT e desafios que incluem dificuldade de novos quadros, esvaziamento político e cerco bolsonarista.

Fundado durante um encontro nacional realizado de 21 a 24 de janeiro de 1984 em Cascavel (PR), o MST se tornou o movimento brasileiro pela reforma agrária mais famoso dentro e fora do país.

Protagonista de invasões de terras vistas por grupos de esquerda como instrumentos de pressão legítimos e, por grupos de direita, como violações violentas da propriedade privada, manteve-se no centro das atenções do embate político nestas últimas décadas.

Após atravessar a gestão Jair Bolsonaro sob ameaças (o ex-presidente defendia enquadrar as ações do grupo como terrorismo), teve estremecimento com o governo Lula 3 diante da ocupação de uma fazenda da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e foi pressionado por uma I na Câmara dos Deputados.

Embora carregue a fama, o MST é apenas um dos movimentos críticos da concentração fundiária. Diferenciou-se de outros pela capacidade de organização e a capilaridade. Presente em 25 estados, optou por não ter presidente e toma decisões de maneira colegiada.

Nesse período, destacaram-se João Pedro Stedile, 70, fundador e cabeça pensante do MST; José Rainha, 63, comandante carismático das invasões que terminou proscrito; e João Paulo Rodrigues, 44, principal figura da geração que nasceu e cresceu em assentamentos.

Foram eles que, em momentos e circunstâncias diferentes, tomaram a dianteira nas tratativas com os governos, que no período se dividiram entre oposição aberta (Fernando Collor, Fernando Henrique CardosoMichel Temer e Jair Bolsonaro), tímida aproximação (Itamar Franco) e alinhamento sujeito a turbulências (Lula e Dilma Rousseff).

O ápice das invasões do grupo ocorreu no fim do primeiro e começo do segundo mandato de FHC (PSDB), em 1998 e 1999, de acordo com os dados compilados anualmente pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, da T (Comissão Pastoral da Terra).

Foram quase 600 em cada um daqueles dois anos, além de ações em prédios públicos.

Em maio de 2000, o governo editou medida provisória que impediu a desapropriação de áreas invadidas, o que resultou em redução das ações do MST.

Com Lula no poder, a medida foi descartada e as ocupações voltaram a crescer, embora em número bem menor do que no período mais tenso sob FHC —que teve uma fazenda sua em Buritis (MG) invadida pelo MST em 2002. A média de ações nos dois primeiros mandatos de Lula, de 2003 a 2010, ficou em cerca de 350 ao ano.

Já sob Dilma (2011-2016) esse tipo de mobilização caiu para uma média de cerca de 215 ao ano, sob Temer (2016-2018) recuou para abaixo de 200, e atingiu seu menor índice sob Bolsonaro (2019-2022), com média de menos de 50 ocupações ao ano (o período coincidiu, em parte, com a pandemia da Covid-19).

Sob Lula 3, a T diz que só no primeiro semestre de 2023 ocorreram 71 ocupações de terras. Os dados do segundo semestre ainda não foram divulgados.

Embora alinhado, o PT foi por várias vezes alvo de críticas do MST, que se desiludiu logo nos primeiros anos de Lula 1 com a possibilidade de uma mudança radical na realidade fundiária brasileira.

“O governo do presidente Lula e da Dilma fez bastante, mas nós precisamos avançar. Precisamos colocar a reforma agrária no orçamento da União”, resume o deputado federal Marcon (PT-RS), militante e beneficiário da reforma agrária, morando até hoje no Assentamento Capela, em Nova Santa Rita (RS).

Na visão do deputado, os maiores desafios daqui para a frente são estruturar os assentamentos e dar perspectivas às novas gerações.

“Precisamos achar o que fazer com essa juventude. É agregar valor na produção, ter acompanhamento técnico, infraestrutura. Hoje, na metade dos nossos assentamentos no Rio Grande do Sul deveria ser feita uma estátua das famílias assentadas, pela forma [precária] como elas estão vivendo.”

Stedile afirma que a nova geração não tem a mesma “têmpera” do ado. “Já está mais acomodada. Já consegue entrar na universidade. Então, o jovem sem-terra ou assentado está mais vagaroso para as atividades militantes.”

O MST surgiu em meio à mobilização de camponeses na T, órgão da ala progressista da Igreja Católica. O ano, 1984, representava o estertor do regime militar.

O principal método sempre foi a invasão —ou ocupação, como reivindica o movimento e a T— de terras. A estratégia é pressionar os governos a assentar quem mora sob lonas (o MST diz que há hoje cerca de 70 mil famílias ainda acampadas).

Doze anos depois de sua criação, o MST viveu em 17 de abril de 1996 um de seus capítulos mais dramáticos, quando 19 trabalhadores sem-terra ligados ao movimento foram assassinados por policiais militares durante protesto em uma rodovia de Eldorado do Carajás (PA).

O caso teve grande repercussão nacional e internacional, o que acabou fortalecendo o nome do movimento.

A senadora Tereza Cristina (PP-MS), ministra da Agricultura no governo Bolsonaro e hoje uma das principais líderes do agronegócio no Congresso, afirma que o MST não soube se modernizar.

“Há 40 anos, até tinha sentido o trabalho que eles faziam. Nós tínhamos muita terra improdutiva no Brasil. Mas o MST ter hoje como o seu mantra, sua missão, invasão de propriedade está fora de época. Chamar atenção invadindo terra, isso para mim é inconcebível nos dias de hoje.”

A ex-ministra afirma que o movimento precisa se reinventar, lutando para que os assentamentos sejam produtivos, e rechaça as críticas do MST ao agro.

“Não existe esse agro mais. Eu até queria saber onde está esse agro improdutivo. Pode ter casos isolados, mas latifúndios, isso é uma coisa que ficou também no ado. Eu acho que o MST precisa olhar melhor e ver que o agro brasileiro é tecnificado, trabalhou e ficou independente do governo. É um setor que hoje sustenta a economia brasileira.”

Com a chegada do PT ao poder, a afinidade ideológica freou de certa forma a oposição barulhenta que dava fama ao MST, além de o Bolsa Família ter esvaziado adesões e aplacado demandas que inflavam o movimento.

Os números gerais da reforma agrária mostram que as desapropriações (47 milhões de hectares), assentamento de famílias (615 mil) e verbas discricionárias para ações no setor (R$ 16 bilhões em valores nominais, sem correção) encontraram seu ápice nos dois primeiros mandatos de Lula.

Todos esses indicadores começaram a declinar sob Dilma e caíram ainda mais, alguns simplesmente sendo paralisados, sob Temer e Bolsonaro.

Nos últimos anos, igrejas evangélicas avançaram também sobre os assentamentos. O bolsonarismo e os ruralistas mantêm o cerco sobre o MST nas redes sociais e no Congresso. Na gestão Bolsonaro, praticamente a única política para o setor foi promover uma entrega recorde de títulos de terra a assentados —vista como forma de esvaziar o movimento.

De acordo com dados do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), em 2023, o primeiro ano de Lula 3, não houve decretos desapropriatórios editados, 51 mil hectares foram incorporados ao programa de reforma agrária, contra 34 mil no último ano de Bolsonaro, e 14 mil novas famílias foram assentadas, o dobro de 2022.

Já o orçamento discricionário do Incra, usado nas ações finalísticas da reforma agrária, foi o menor desde pelo menos 2003, R$ 300 milhões.

O sociólogo e professor da UnB (Universidade de Brasília) Sérgio Sauer, estudioso de temas ligados aos movimentos agrários, cita cinco pontos que, em sua visão, exprimem a relevância do MST.

1) É um dos movimentos que materializam a saída de uma situação de restrições políticas para uma de organização social e popular no processo de redemocratização; 2) deu visibilidade nacional e internacional à situação de profunda desigualdade social, impunidade e violência no campo; 3) agregou à demanda por terra bandeiras como direito à educação e condições dignas de trabalho; 4) produziu reflexão política e teórica sobre a reforma agrária, e 5) incluiu o direito ao trabalho como uma das justificativas para o o à terra.

Ele vê na busca pela agroecologia a principal bandeira do MST no momento. O arroz orgânico plantado no Rio Grande do Sul é um exemplo. Embora em uma escala bem pequena em relação ao arroz tradicional, o MST é o maior produtor do país e da América Latina.

O professor e sociólogo Zander Navarro, também com ampla atuação acadêmica e profissional na área, avalia que o MST perdeu a sua razão de ser.

Ele considera que, sem o movimento, dificilmente teria ocorrido a ampla distribuição de terras entre a segunda metade dos anos 1990 e 2010 —e também vê papel do grupo na consciência política por parte das famílias mais pobres do campo. Mas afirma que a reforma agrária é uma política que, na medida em que é atingida, se esgota.

“A necessidade de uma reforma agrária deixou de existir porque a demanda social pelo o à terra praticamente se esgotou no Brasil. Então, é claro que, neste século, aos poucos e cada vez mais visivelmente, o MST perdeu sua razão de existir. Cumpriu o seu papel em grande medida. Temos que aplaudir. Isso foi muito importante, mas em uma bela hora terminou, é isso aí. É algo que no Brasil nenhuma autoridade teve a coragem de dizer.”

A CONCENTRAÇÃO FUNDIÁRIA NO BRASIL, EM 10 PONTOS

  1. Em 1534, Portugal cria as capitanias hereditárias.
  2. Nelas, os donatários e Coroa promoveram as sesmarias, que era o modelo português de distribuição de terras a beneficiários que se comprometiam a cultivá-las mediante o pagamento das devidas taxas.
  3. Essa origem do latifúndio se desdobrou na Lei de Terras (1850), no Segundo Reinado, norma que acabou oficialmente com as doações e que determinou que as terras só poderiam ser obtidas mediante compra.
  4. Isso manteve fechado o o a pequenos agricultores, ex-escravizados e imigrantes.
  5. A Lei de Terras também tornou devolutas (ou seja, pertencentes ao estado) todas as áreas que carecessem de registro legal segundo os critérios do Império.
  6. Seguiu-se a isso ainda um intenso e duradouro processo de grilagem —a falsificação de títulos de propriedade da terra— que se aproveitou de falhas e confusão nas regras, compadrios políticos e manobras cartoriais.
  7. O termo grilagem se dá pelo uso de grilos presos em uma gaveta ou caixa, o que dá a papéis um aspecto envelhecido.
  8. Depois do surgimento de novas leis, a Constituição de 1988 estabeleceu que “compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária”.
  9. O período de maior incorporação de terras ao programa nacional da reforma agrária ocorreu nos dois primeiros mandatos de Lula (2003-2010), com a destinação de 47 milhões de hectares, segundo os dados do Incra.
  10. A concentração fundiária no Brasil, porém, permanece. O Censo Agropecuário do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2017, por exemplo, mostrou que propriedades com mais de 2.500 hectares representavam 0,3% do bolo, mas ocupavam um terço da área total desses estabelecimentos no país.

SAIBA MAIS SOBRE A REFORMA AGRÁRIA NO MUNDO

  • Neste texto dos anos 90, o jornalista João Batista Natali conta como se desenrolou a reforma agrária nos Estados Unidos, Japão e Coreia do Sul.
  • Neste, Élcio Cruz de Almeida e Crysthian Drummond Sardagna falam na Revista de Informação Legislativa do Senado sobre o reformismo agrário nos países democráticos.